sábado, 20 de março de 2010

A tomada do TAC

Por Angela Maria Liuti*

A população tomou literalmente o Teatro Álvaro de Carvalho – TAC, ontem à noite, na suposta Audiência Pública – AP, de apresentação do Plano Diretor, impedindo a realização de uma audiência de faz de conta, que pretendia referendar o processo participativo do Plano Diretor de Florianópolis. Com palavras de ordem contra o engodo participativo, e ante a ameaça do Sr Átila, presidente do IPUF – Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis, em chamar a polícia, moradores subiram ao palco e manifestaram-se contrários à encenação de referendar um “Plano Diretor Participativo”.

O ato cívico de ontem foi a gota d’água de um descontentamento geral e irrestrito devido às diretrizes discutidas e aprovadas nas leituras comunitárias não terem sido consideradas na leitura técnica, além do encerramento do processo participativo do Plano Diretor no final de 2008 e durante 2009, em que a prefeitura rompeu unilateralmente com o Núcleo Gestor Municipal – NGM, cujos representantes foram eleitos em 13 Audiências Públicas realizadas nos distritos de Florianópolis, e duas no TAC, em que se elegeram representantes das comunidades, movimentos sociais e de classe, para acompanhar, fiscalizar e deliberar sobre todo o processo do Plano Diretor Participativo de Florianópolis.

Acabadas as eleições, prefeito eleito, o mote participativo não seria mais necessário para o próximo objetivo do governante municipal, candidatar-se a governador. Por isso a pressa em enviar o projeto à Câmara Municipal dia 23 de Março, presente de grego ao aniversário da cidade, tudo jogo de cena, a cidade é o que menos importa.

Com o rompimento explicitado da prefeitura com o NGM, desmonte das bases distritais, com ameaça jurídica para os representantes entregarem as bases, computadores, material produzido, etc. Os membros do NGM, do movimento comunitário, sociais, universidade e de classe, continuaram a reunir-se em auto-convocação, durante todo o ano de 2009 e início de 2010.

O Ministério Público Federal e Estadual foi acionado na busca do diálogo com a prefeitura e pelo retorno dos trabalhos do NGM, tudo em vão. A prefeitura foi taxativa em afirmar que o NGM foi constituído para acompanhar a leitura comunitária, apenas, contrariando artigo da Resolução 25 do CONCIDADES que diz que o NGM deve acompanhar todas as fases do Plano Diretor até à sua execução final.

Todo este processo está documentado pelos NGM e MPF e desta forma, esgotadas as negociações, foi deliberado pelo NGM entrar com uma ação na justiça contra o rompimento com o processo participativo do Plano Diretor. Foi dada a entrada a uma ação em nome do NGM, pela União Florianopolitana de Entidades Comunitárias -UFECO, entidade com caráter formal e membro do NGM. Processo nº 023.09.072721-8

Foram solicitadas liminares contra o processo comandado pelo IPUF sem o controle social, efetivado pelo NGM. Todas foram negadas. A última liminar foi julgada pelo desembargador Henrique Blasi, que notadamente deveria ter sido considerado impedido de julgar por tratar-se de causa referente ao prefeito do mesmo partido que o seu, o PMDB.

A UFECO pretende permanecer em alerta, a população deve manter-se mobilizada e que os Ministérios Públicos Federal e Estadual sejam os guardiães da Constituição Federal e Estadual no que diz respeito ao direito à cidade, à participação efetiva da população no Plano Diretor, respeitadas as deliberações dos moradores no rumo da cidade que queremos, de modo que a cidade de Florianópolis não seja tomada por uma outra banda que quer explorar os recursos naturais da Ilha de Santa Catarina à revelia de seus moradores, tão legítimos quanto todos que aqui fazem seus negócios.

Como a memória dos governantes é curta, vale lembrar que Florianópolis tem grandes histórias de lutas e de resistência de seus moradores ao modelo excludente e desenvolvimentista imposto por governantes e empreendedores.

Como exemplo, em 1989, em Ingleses, tivemos a luta do movimento Ilha Ativa em que os moradores barraram o Plano Diretor que previa invasão de dunas pelo sistema viário entre outras coisas. Os moradores da Lagoa, através da AMOLA – Associação de moradores da Lagoa, resistiu ao modelo econômico de exploração da paisagem, conseguiu barrar grandes empreendimentos na orla; o Campeche, em 2003, barrou o Plano Diretor em tramitação na Câmara de Vereadores que previa 400 mil pessoas na Planície do Campeche, através de mandado de segurança impetrado pela AMOCAM - Associação de Moradores do Campeche e UFECO, em conjunto. Pântano do Sul, Sambaqui, Santo Antônio de Lisboa, João Paulo, são localidades da ilha que também tem histórias de gentes resistentes a este modelo governamental e econômico que não privilegia seus moradores, pagantes de impostos.

Então, o que aconteceu ontem no TAC não foi um rompante passageiro. Nossa gente tem história!

*Angela Maria Liuti é presidente da União Florianopolitana das Entidades Comunitárias (Ufeco)

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